Como as palavras de Deus devem ser ouvidas com humildade e como poucos as ponderam


Texto Extraído do Capítulo III do Livro "Imitação de Cristo"

1. Jesus: Ouve, filho, as minhas palavras, palavras suavíssimas que excedem toda a ciência dos filósofos e sábios deste mundo.
As minhas palavras são espírito e vida, e não se devem interpretar humanamente.
Não devem ser abusadas para vã complacência, mas devem ser ouvidas em silêncio e recebidas com máxima humildade e grande afeto.

2. A alma Fiel: E disse eu: Bem-aventurado o homem a quem instruís, Senhor, e lhe ensinais a vossa lei, para suavizar-lhe os dias maus e dar-lhe consolo neste mundo.

3. Jesus: Eu, diz o Senhor, desde o princípio ensinei aos profetas e ainda agora não cesso de falar a todos; mas muitos são insensíveis e surdos à minha voz.
A muitos agrada mais a voz do mundo que a de Deus; mais facilmente seguem os apetites da carne que o preceito divino.
O mundo promete apenas coisas temporais e mesquinhas e é servido com grande ardor; eu prometo bens sublimes e eternos, e só encontro frieza nos corações dos mortais.
Quem há que me sirva e obedeça em tudo com tanto empenho como se serve ao mundo e aos seus senhores?
Envergonha-te, Sidônia, diz o mar. E se queres saber por que, ouve o motivo: Por um pequeno salário se empreendem grandes viagens, e pela vida eterna muitos nem dão um passo sequer.
Busca-se o lucro vil; por um vintém, às vezes, há torpes brigas; por uma ninharia e promessa mesquinha não se teme a fadiga, nem de dia, nem de noite.

4. Mas que vergonha! Pelo bem imutável, pelo prêmio inestimável, para honra suprema e pela glória sem fim, o menor esforço nos cansa.
Envergonha-te, pois, servo preguiçoso e murmurador, por serem os mundanos mais solícitos para a perdição que tu para a salvação.
Procuram eles com mais gosto a vaidade que tu a verdade.
Entretanto, não raro, sua esperança os engana; mas minha promessa a ninguém falta, nem despede com as mãos vazias ao que em mim confia.
Darei o que prometi, cumprirei o que disse, contanto que se persevere fiel no meu amor até ao fim.
Eu sou quem remunera todos os bons e sujeita a provas duras todos os devotos.

5. Grava minhas palavras em teu coração e medita-as atentamente, porque te serão muito necessárias na hora da tentação.
Coisas que agora não entendes quando lês, entenderás quando eu te visitar.
De dois modos costumo visitar meus eleitos: pela tentação e pela consolação. E duas lições lhes dou cada dia: numa repreendo-lhes os vícios e noutra exorto-os ao progresso na virtude.
Quem ouve a minha palavra e a despreza, por ela será julgado no último dia.


Oração para implorar a graça da devoção


6. A alma Fiel: Meu Senhor e meu Deus! Vós sois todo o meu bem. E quem sou eu para me atrever a falar-vos?
Eu sou vosso paupérrimo servo, um vil vermezinho, muito mais pobre e desprezível do que sei e ouso dizer.
Lembrai-vos, Senhor, de que sois bom, justo e santo; vós tudo podeis, tudo dais, tudo encheis, e só ao pecador deixais vazio.
Lembrai-vos de vossas misericórdias e enchei meu coração com a vossa graça, pois não quereis que sejam infrutuosas as vossas obras.

7. Como poderei eu, nesta miserável vida, suportar-me a mim mesmo, se não me confortar vossa graça e misericórdia?
Não desvieis de mim a vossa face, não demoreis a vossa visita, não me tireis o vosso consolo, para que não fique a minha alma diante de vós qual terra sem água.
Ensinai-me, Senhor, a fazer vossa vontade, ensinai-me a andar em vossa presença, digna e humildemente; pois vós sois minha sabedoria, que em verdade me conheceis antes de ser feito o mundo, e antes de eu nascer na terra.

REFLEXÕES...

Não há coisa mais rara que um desejo sincero da salvação; e é o que nos deve fazer tremer, porque nossa sorte será como nós a fizermos: Deus ajuda-nos, vem com sua graça em socorro do livre-arbítrio, mas ele não o força nem constrange. Ora que vemos nós? Não falamos aqui do ímpio já resoluto a perder-se, e marcado já com o selo da reprovação: falamos dos que se dizem, que se crêem discípulos de Jesus Cristo. Na especulativa querem tais cristãos salvar-se; mas na prática querem sobretudo possuir os bens do mundo e gozar dos prazeres da terra. Darão a Deus, de passagem, algumas orações e obrigados informar-se-ão da sua lei para conhecer oq ue ela ordena estritamente: depois, tranquilos e desafogados, correrão após as honras, as riquezas, os prazeres que eles chamam legítimos, ou adormecerão numa vida mole, permitida a seus olhos, porque ela não viola em aparência nenhum preceito formal. Mas em tudo isto, onde está a fé que deve regular todas as ações relativamente à eternidade?

Onde está o amor de Deus ocupado sempre de seu objeto, o santo amor ávido de sácrifícios; onde está a paciência? Onde está a cruz? Ó meu Deus! E será isto desejar a salvação; não está porventura escrito que "aquele que busca sua alma a perderá?" (Lc 17, 33)

Julgue-se cada um de nós segundo esta palavra, antes do dia terrível em que o Senhor o julgará em verdade e justiça.

Eis aqui, Senhor, vossa miserável criatura a quem tanto amastes e por quem tanto fizestes, tão desaproveitada, tão fraca, tão perdida como vós vedes. Que será de mim, Senhor, sem a vossa misericórdia? Sem vós, Senhor, nem sei levantar-me; sei ofender-vos, e não vos sei contentar, se a vossa luz e a vossa graça, me não favorece e ajuda. Vós vedes, Senhor, que tudo há de vir de vossa mão: vontade, o desejo, e por obra o que em mim inspirais. Ó amador benigníssimo dos homens! Vós sois o verdadeiro amparo dos órfãos, o remédio pronto dos necessitados; lançai-me os olhos de vossa misericórdia e piedade, compadecei-vos, Senhor, de minhas misérias, e regai este miserável coração com essa fonte viva de vossa eterna bondade. Ó luz verdadeira, não me deixeis em minhas trevas! Ó fortaleza infinita, esforcai minha miserável fraqueza! Recebei, Senhor, meu desejo, ajudai esta pobre vontade, esquecei-vos do que vos mereço, e dai-me o que na cruz merecestes. Faça vossa bondade em mim o que de mim quereis, para que tudo seja honra e glória vossa.

Amém.

0 comentários:

Postar um comentário